ELA


Rossana Araripe Lindote





É uma vez uma Mãe. No caso, a minha. Minha e de mais três. Mas eu a conheci primeiro. Então ela é minha por mais tempo. Depois de mais de trinta e três mil dias por aqui, ela teve que partir. Mas somente uma pequena parte dela se foi. A maior parte ficou, e eu a sinto todos os dias, bem aqui dentro de mim.



Uma Mãe-criança, sempre querendo brincar mais um pouquinho, de quem herdei uma alegria obstinada e o amor pelas letrinhas. Com quem aprendi que “quem tem vergonha não envergonha os outros” e que “mais vale um gosto do que cem mil réis”. Lições que permanecem em mim e que me induzem a ter cuidado para não magoar as pessoas e para valorizar os desejos grandes ou pequenos do meu coração.



Muitas lembranças, traços de sua passagem espalhados por todos os lugares, como talismãs que nos deixou, carregados com o poder de mantê-la sempre perto. Olhando pela janela eu ainda consigo vê-la na varanda do prédio vizinho, quase sempre com um livro nas mãos. Às vezes, com sua caneta e um caderno, desenhando com sua letra impecável, os seus devaneios e os pensamentos travessos que consegue captar com as orelhas do coração.



Sim, ela que nunca se entediou da graça do mundo, se apropriou ávida de todo o encantamento que conseguiu pressentir no seu cotidiano, para distribuir ao seu redor, aos filhos que gerou e aos alheios. Ela logrou a façanha de dar o que não recebeu, incentivando os seus filhos a tentar grandes ou pequenas aventuras, em casa ou fora dela, e “vai dar tudo certo!” sempre foram as palavras cabalísticas com as quais ela os fazia seguir em frente.



É uma vez uma Mãe. Ainda é. A única mãe que sempre terei, internalizada no mais profundo de minha alma. E uma saudade mesclada com gratidão é o que sinto hoje.



A todos aqueles que já se separaram de suas mães, eu quero sugerir: concentrem-se na presença e não na ausência. Que cada um mantenha viva sua mãe na memória, “reviva” os momentos com ela, conversando a respeito dela, relembrando as coisas engraçadas e as suas características singulares. Falar sobre ela é valorizar a sua existência e homenagear aquela que nos transmitiu a Vida. Chorar e rir juntos com outros queridos, também saudosos, é terapêutico, e pode nos livrar de um luto patológico. A tristeza é inevitável, mas o Amor é o antídoto da dor!


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Rossana Araripe Lindote

E-mail: rossanalindote@gmail.com

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