Rossana Araripe Lindote
Quando eu era criança, passou pela minha cabeça algumas vezes, a vontade de ir embora com o circo. Não que eu não estivesse satisfeita em viver protegida ao lado de minha família, ao contrário, em minha infância, embora criada com um rigor que me tolhia e muitas vezes me desagradava, eu me sentia amada e segura.
É que o circo era um mundo mágico, que fascinava a todos, e principalmente, as crianças. Na época, não tínhamos televisão, não havia internet, e o circo aparecia uma ou duas vezes por ano em minha pequena cidade. Era um acontecimento. Para nós, o espetáculo já começava antes da primeira sessão, quando presenciávamos o desenrolar das lonas e das cordas para a armação da tenda, e espiávamos pelas frestas tentando ver os animais. Assistindo à movimentação dos artistas à paisana em suas tarefas de preparação, esperávamos com ansiedade o dia de assistir ao show.
A minha mente infantil, alheia a questões como a saúde e o bem-estar dos animais, as dificuldades dos artistas de circo que viviam longe de suas famílias, e as preocupações financeiras de uma atividade como essa, só via a magia. Era um encantamento ver os palhaços, os macacos, os elefantes, os cavalos amestrados, e o leão, o rei dos animais, ali, bem pertinho. Os trapezistas em suas redes, as moças vestidas com roupas coloridas e brilhantes e os malabares girando no ar, nos hipnotizavam. Não queríamos perder nada. Sentados na ponta das cadeiras, com os olhos brilhando e as bocas entreabertas, quase esquecíamos do infalível saco de pipocas, derramando em nosso colo.
Eu não fugi com o circo. E veja só: eu me tornei malabarista. Aliás, todos nós nos tornamos especialistas em equilibrar em nossa vida diária, muitas demandas, sentindo que não podemos deixar cair nada no chão, que temos que cumprir uma quantidade enorme de tarefas, muitas vezes, simultâneas. Estamos fazendo malabarismo, atuando em nossos múltiplos papéis sociais. Além das obrigações de rotina, há questões imprevistas, desde questões de saúde, de trabalho e outros compromissos sérios, às pequenas coisas do dia a dia, que exigem decisões e consomem tempo e energia. Até as opções de lazer que escolhemos, algumas vezes, pela sua complexidade, podem nos esgotar as forças, ao invés de restaurá-las, e mandar para o espaço a ideia de relaxar e curtir. Neste mundo “civilizado” e competitivo, onde há abundância de alternativas e possibilidades, a agenda é um quebra-cabeças com peças sobrando e de difícil encaixe, e até as crianças estão sobrecarregadas.
Com a ideia equivocada de que fazer mais é melhor, vamos nos sobrecarregando em uma correria desenfreada, que o nosso cérebro pode interpretar como emergência, e então a ansiedade aparece para dar conta das exigências do momento. Esquecemos de reservar um tempo para sentir o gosto de existir.
O sistema operacional de um computador é programado para realizar multitarefas, mas nós somos seres humanos, não somos máquinas. Somos dotados de processos psicológicos básicos, entre eles a atenção, e embora o nosso cérebro funcione em processamento muito rápido, o foco da atenção não se divide em mais de uma atividade sem sacrifício de uma delas. A tentativa de dar conta de coisas simultâneas limita a qualidade do que fazemos e gera estresse.
Vamos respirar. Essa é a primeira condição para sustentar a nossa biologia. Precisamos repensar. O que é indispensável fazer? O que é prioridade? O que dá para adiar? O que dá para não planejar? Vamos saborear nossas horas. Vamos nos concentrar em equilibrar emoções em vez de multitarefas. Nossa saúde mental será beneficiada. Repito: vamos saborear nossas horas!