Eu tinha apenas cinco anos e meu irmãozinho, quatro. Iríamos à escola pela primeira vez, os dois juntos. Naquele tempo não havia as fases pré-isso ou pré- aquilo. A gente já entrava no primeiro ano primário e pronto, qualquer que fosse a idade. Era o primeiro dia de aula de toda a rede pública, e nossa mãe, também professora, teria que comparecer mais cedo ao próprio trabalho, antes do horário de nossa escola abrir. O que fazer conosco?
Ela conhecia aquela que seria a nossa professora, e lhe pediu um favor. Nossa mãe nos deixaria na casa dela e quando chegasse a hora da nossa aula, a própria mestra nos levaria. Era uma casa térrea, na rua da Jaqueira, às margens do rio Cachoeira. Transpondo a porta da frente, subimos dois degraus e entramos na sala. Aquele espaço ficou gravado para sempre em minha memória. Continha poucos móveis e o piso era de chão vermelho, encerado e brilhante. Dito e acertado, nossa mãe se despediu de nós e saiu, deixando-nos uma recomendação: “fiquem quietinhos”. A professora nos acomodou em duas cadeiras na sala, pedindo-nos que a esperássemos enquanto tomava seu café da manhã. De onde estávamos, olhando para o interior da casa, víamos um corredor comprido, com o mesmo piso vermelho, com duas portas à esquerda, terminando com o que nos pareceu ser a cozinha. Escutávamos a voz da professora conversando com alguém, mas estávamos sozinhos na sala. Era a primeira vez que nos separávamos de nossa mãe, e estávamos os dois, apavorados.
Eram muitas novidades de uma vez só: ficar longe da mãe, lidar com a expectativa de enfrentar o ambiente escolar pela primeira vez e estar em uma casa desconhecida, aos cuidados de uma pessoa completamente estranha. Esse conjunto de circunstâncias ameaçadoras despertou nosso instinto de defesa. Meu irmão e eu decidimos ir à luta.
— Vamos fugir? — eu propus.
Ele concordou com a cabeça, sem esperar um segundo convite.
Não sei o que esperávamos encontrar lá fora, nem o que faríamos a seguir. Lembro apenas da angústia e do desejo de escapar dali. A porta era daquelas bem altas, com duas folhas estreitas, com uma tira de madeira vertical, que travava uma delas. Eu me levantei, fui até a porta, com meu irmãozinho logo atrás de mim. Não havia chave, apenas um trinco, e eu o puxei. Tentei abrir a porta, mas ela não cedeu. Percebi que havia um ferrolho na parte de baixo e consegui, após algum esforço, puxá-lo para cima. Empurrei a porta outra vez, mas ela permaneceu firme, indiferente aos nossos intentos. Unimos nossas forças, empurramos e puxamos, mas a porta continuava fechada. Só então percebemos, consternados, que havia outro ferrolho fechado, no alto da porta, inatingível para nossa pequena altura. Impotentes, frustrados e ainda temerosos, tivemos que nos resignar a continuar ali, esperando a professora.
Mesmo já crescidos, acontece muitas vezes de sermos tomados por emoções que nos induzem a erros de julgamento. Neste episódio da minha infância, por medo do novo, por ansiedade, meu irmão e eu nos sentimos compelidos a agir de modo imprudente. Iríamos trocar o lugar seguro, avalizado por nossa mãe, pelo ambiente desconhecido do mundo lá fora. Do mesmo modo, influenciados pelas emoções, algumas vezes erramos ao avaliar os riscos e nos envolvemos em comportamentos danosos. As emoções ocupam um lugar importante em nossa vida e a capacidade de sentir é parte essencial da nossa humanidade. Mas é à razão que devemos confiar a resolução de nossos problemas, e pedir ajuda quando temos dúvidas. Já adultos, munidos de poder decisório, é importante usar com sabedoria e responsabilidade, a nossa autonomia. Nem sempre haverá um ferrolho fechado no alto, para deter a nossa impulsividade.