No cardiologista:
— Doutor, meu coração tem um problema – ela explicou, aflita.
— O que a senhora sente? — ele indagou.
— Tudo.
— Como assim? Não entendi. A senhora pode explicar melhor?
— É como eu disse, Doutor. Sinto tudo.
— Mas onde a senhora sente “tudo”?
— Em todo lugar.
Ai, ai, ai, isso vai ser complicado. O médico coçou a cabeça.
— Doutor, meu coração está em todo lugar.
— Seu coração está dentro do seu peito, como o de todo mundo — explicou ele.
— Acredite em mim, o meu não. O meu fica saindo o tempo todo, fica fora, por aí, a esmo.
— Se a senhora quiser, posso pedir uma radiografia pra confirmar.
— Doutor, o senhor não está entendendo. Toda vez que eu penso em alguém que eu gosto, meu coração vai pra lá onde a pessoa está. Quando eu sei de um caso triste, meu coração sai também, vai pra o lugar onde o caso aconteceu. Se me contam uma história alegre, ele também sai. Ele não para aqui dentro, não! — ela explicou, com a mão no peito.
O médico a fitava em silêncio.
— E ele cresce também, viu? Quando ele volta dessas andanças, já está maior. Se continuar assim, nem vai caber mais em mim — ela acrescentou.
O médico baixou a cabeça. Já exercia a Medicina há vários anos. Nunca teve notícias sobre esse fenômeno. Devia ter feito aquela pós-graduação em doenças raras. Estava cansado, não se inscreveu.
Relutante, ele explicou:
— Senhora, eu vou lhe confessar, não conheço essa doença. Eu vou pesquisar, vou consultar alguns colegas…
— Não precisa, Doutor. Eu já pesquisei, já sei o que eu tenho. Só vim aqui pra ver se tem algum remédio pra isso.
O médico arqueou as sobrancelhas e suspirou:
— Ah… e o que é que a senhora tem?
— Eu tenho o coração ubíquo. Isso tem cura, Doutor?
……
Nota: De acordo com o Dicionário Houaiss, “ubíquo” é um adjetivo que significa “que está ou existe ao mesmo tempo em toda parte.”