Sete meses. Três quilos. Era um “bilisquinho de gente”, o abdômen distendido e a cabeça grande demais para o resto do corpo, de braços e pernas magros. Eu o conheci em uma das minhas visitas ao orfanato. Era mantido trancado em um quarto, chorando sem plateia, cada vez que a responsável pelo orfanato precisava sair. Quando questionei, ela explicou: “é pra os minino não bulir”. Meu coração apertou. Fiquei sabendo que ele era o caçula de quatro irmãos que moravam ali, junto com outras crianças, por ordem judicial, depois que seus pais perderam o pátrio poder, por histórico de dependência de álcool e abandono.
Mas o abandono continuava, em outro formato. Antônio estava sofrendo de infecção intestinal, e além da diarreia, não conseguia manter qualquer alimento no estômago. Ele tinha crises de vômito e mirrava a olhos vistos. Não dava para ignorar aquela criança. Consegui a medicação, o leite em pó apropriado e outros produtos para a dieta, mas restava o operacional: como garantir que ele seria cuidado, que tomaria os remédios e os alimentos na hora certa, com mais de trinta crianças naquele lugar? Conversei com Vera, uma adolescente de dezesseis anos, a mais velha entre os menores que moravam no orfanato, e lhe prometi “mundos e fundos” para ela cuidar de Antônio. Ela o levou para o quarto que compartilhava com as crianças maiores, conseguiu por lá mesmo um pequeno berço, e o colocou junto à própria cama. Passou a cuidar dele, seguindo as instruções e horários que eu escrevi em um papel. Em troca eu lhe levava roupas, chocolates e mimos diversos, que atenuavam a secura da vida que ela levava ali. Eu acompanhava o progresso dele algumas vezes por semana, e ela era minha aliada.
Vera cumpriu tão bem o seu papel, demonstrando tal zelo maternal, que Antônio começou a se recuperar em pouco tempo, engordou, e já não tinha mais aquele olhar assustado que eu vi no início. Tornou-se um bebê alegre e ativo. Não demorou para atrair a atenção de um casal de uma cidade vizinha e foi adotado. Cheguei a visitá-lo uma vez em seu novo lar, onde ele recebeu um nome novo, e conheci os pais adotivos e outras pessoas da família. Passei um tempo sem notícias de Antônio.
Um dia, sofri um grave acidente de carro, que me deixou fora de circulação por dois anos, envolvida em uma série de cirurgias e processos de reabilitação. No meio dessa jornada, já em casa, me restabelecendo da cirurgia mais recente, recebi uma visita emocionante e inesperada. Antônio veio me ver, trazido por sua avó e sua mãe adotivas. Não sei como eles encontraram meu endereço, mas ele veio me visitar e me fez uma linda homenagem. Elas me pediram para dar a ele um pedaço de papel e uma caneta, e Antônio, então com quatro anos, escreveu nele o meu nome. Elas o haviam ensinado, letra por letra, e me trouxeram esse gesto de carinho. Para mim, aquele pedacinho de papel constituiu um pequeno tesouro, uma ternura que eu estava recebendo de volta.
Enquanto escrevo isso, calculo que Antônio tenha hoje, vinte e sete anos de idade. Não tive notícias dele depois disso, mas meu desejo é de que ele esteja bem, vivendo uma vida plena, cercado de amor.
Nota: o nome da criança e da adolescente foram alterados para proteger a sua privacidade.