A ARMADILHA DOS JOGOS DE AZAR

A dependência em jogos é um transtorno comportamental reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que afeta pessoas em todo o mundo, e consiste na incapacidade de resistir à vontade de jogar, mesmo quando isso resulta em prejuízo. Estima-se que 1% a 3% da população mundial esteja envolvida com o jogo patológico, e no Brasil, em média, 2 milhões de pessoas têm o transtorno, chamado de ludopatia. Esse transtorno acomete principalmente adultos jovens e afeta mais homens que mulheres.

No caso dos jogos eletrônicos de azar, a facilidade do acesso às apostas online, e do pagamento através de cartões de débito, pix e outros meios, conduz mais pessoas ao jogo. O poder viciante desses jogos está em oferecer benefícios intermitentes, no caso, prêmios em dinheiro, alimentando a expectativa do jogador de que poderá ganhar novamente, a qualquer momento. Essa esperança o mantém jogando por longos períodos, ou com frequência excessiva, substituindo outras atividades de sua rotina e impactando diversas áreas de sua vida. O desempenho escolar, o profissional, os relacionamentos e a situação financeira são prejudicados, havendo um agravamento da ansiedade, quando por algum motivo não é possível jogar. Após ganhar algumas vezes, de acordo com um algoritmo aleatório, o jogador começa a perder dinheiro, e tentando recuperar o que perdeu, continua jogando compulsivamente, formando-se assim um ciclo vicioso e cruel, onde as dívidas se acumulam, junto com a culpa, a vergonha e o desespero.

Como em outros tipos de adicção, o jogo mobiliza o sistema de recompensa no cérebro, por ativação do núcleo accumbens, da amígdala e do córtex cerebral, liberando dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer, e isso induz rapidamente à dependência. Outros transtornos de saúde mental, além de ansiedade e depressão podem aparecer como comorbidades, mas a pessoa dependente, embora em sofrimento psicológico, em geral, constrangida por sua falta de controle sobre o impulso de jogar, tem dificuldade de admitir que tem um problema e de buscar ajuda, e muitas vezes mente sobre o tempo despendido no jogo ou sobre a quantia perdida.

São comuns os conflitos familiares pela quebra da confiança, conduzindo aquele que se tornou dependente ao isolamento e à baixa autoestima. A dependência também pode causar problemas físicos, por manter o jogador sentado na mesma posição durante muito tempo, às vezes com sacrifício do período de sono, além de problemas com a lei, já que em alguns casos, ele é compelido a obter dinheiro por meios ilegais, para satisfazer a compulsão de jogar. Nem todos os jogadores se tornam dependentes. Alguns fatores genéticos, sociais, emocionais e comportamentais, além da necessidade de dinheiro, predispõem algumas pessoas à adicção.

A ludopatia é tratável. O acompanhamento psicológico, destacando-se aqui a Terapia Cognitivo-comportamental, ajudará o paciente a identificar e modificar as crenças distorcidas, a detectar os gatilhos que o levam a jogar, além de trabalhar o controle de impulsos. A medicação psiquiátrica atuará na regulação dos neurotransmissores envolvidos na patologia, auxiliando no restabelecimento do equilíbrio emocional. Os grupos de apoio, presenciais ou online, a exemplo do grupo Jogadores Anônimos, promovem a socialização e restauram a esperança de cura. Para casos mais graves, existem clínicas de reabilitação, com tratamento multidisciplinar.

Há um movimento do governo brasileiro, envolvendo a Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda, em parceria com o Ministério da Economia e o Ministério da Saúde, para a regulamentação dos jogos, impondo regras e restrições para instituir o jogo responsável e proteger o usuário contra a dependência. Essa discussão inclui a tributação das apostas com potencial de gerar receita que poderiam ser direcionadas às áreas sociais. Muitos jogos de apostas são proibidos no Brasil desde 1946, mas acabaram se disseminando em razão de uma lei de 2018, cujos dispositivos, não muito claros, permitiram uma interpretação mais permissiva das regras legais.

A ludopatia é reconhecida como um problema de saúde pública, e para preveni-lo e controlá-lo é indispensável, paralelamente às ações públicas e às mudanças na legislação, a mobilização dos pais, das escolas e da sociedade em geral, através de campanhas informativas e a instituição de espaços de debate, visando evitar ou minimizar a incidência desse transtorno. Cada cidadão, em alguma medida, pode ajudar no combate ao problema.

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