CUIDADO QUE TRANSCENDE UMA VIDA

Eles estavam nos guardados de minha mãe, que zelosamente preservava inúmeros itens relacionados com as pessoas que ela amava. Eu os reencontrei quando ela faleceu, os coloquei expostos numa prateleira do meu quarto e olho para eles diariamente. Reflito sobre a importância dos cuidados que recebi, e a influência dos meus pais em minha vida permanece clara para mim. É como um pano de fundo que cerca a minha existência.

Para mim, esses sapatinhos, tão antigos, têm vários significados. Constituem uma relíquia pessoal. Denotam o cuidado e o carinho que fez minha mãe conservá-los como lembrança da infância de sua primeira filha. Representam também o que me serviu para dar os primeiros passos neste planeta, onde caminho ainda. Eles são a prova da minha independência nascente e do desenvolvimento de minha capacidade motora.

Mas além disso, eles me fazem pensar sobre a sobrevivência da espécie humana. Os filhotes humanos, diferentes de muitos animais, nascem frágeis e indefesos. Embora sejam biologicamente dotados de potencial para desenvolver várias habilidades geneticamente programadas, eles precisam de assistência e de proteção, que se materializam nos cuidados que lhes são oferecidos pelos adultos ao seu redor. A dependência de seus pares é algo intrínseco à raça humana.

Cada um de nós, cada ser que vive em nosso mundo é alguém que sobreviveu a essa fase de vulnerabilidade. É alguém que recebe ou recebeu auxílio de outros seres humanos com capacidade para ampará-lo, sejam pais biológicos ou adotivos, outros familiares ou mesmo, estranhos. Pessoas aptas em maior ou menor grau, para atender as necessidades de uma criança, provendo alimentação, higiene e defesa com o objetivo de garantir de algum modo a manutenção da vida. Sem esse “compromisso de cuidar”, os humanos pereceriam. Infelizmente, muitos não sobrevivem, por falta dessa assistência, o que confirma o fato de que a proteção de outrem é fundamental na preservação da vida no início da existência.

Mas a interdependência humana para a sobrevivência não se restringe a essa fase ou a alguns indivíduos. A vida de gerações inteiras do futuro dependerão da gestão que fazemos hoje dos recursos naturais em nosso mundo. A responsabilidade de preservar o meio ambiente para os nossos descendentes cabe a nós, no agora. A semeadura de dias melhores e a utilização justa do meio ambiente, coibindo a exploração excessiva, que degrada e destrói, deve ser o nosso legado.

Precisamos fazer a manutenção da “casa” onde fomos acolhidos. Precisamos honrar a dádiva de ter sobrevivido num lugar habitável, no planeta Terra.

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