MELODIA OCULTA

Como nos apressamos a julgar as situações que ocorrem em nossas vidas! Temos pressa em classificar “isso é bom, isso é ruim”, conforme os eventos estejam de acordo, ou sejam contrários ao que queremos naquele momento. Somos imediatistas por natureza, não conseguimos aguardar os acontecimentos que virão, e por não sermos capazes de ver adiante, decidimos a priori sobre o valor do cada ocorrência.

Lembro-me de uma história que acompanhei de perto e que constitui um bom exemplo disso: uma mulher, na faixa dos trinta anos, casada, estava bastante desgostosa por não ter conseguido realizar o seu desejo de ser mãe. O seu casamento estava abalado pela repercussão de frustrações sucessivas na convivência do casal. A despeito de todas as tentativas, ela não conseguia engravidar, e com o passar do tempo e da pressão do seu relógio biológico, seu desapontamento aumentou tanto que ela começou a entrar em depressão.

Após passar por muito sofrimento psicológico, aconselhada por amigos, ela procurou um médico psiquiatra, que constatando um quadro depressivo, prescreveu-lhe medicamentos específicos, que deveriam ser obtidos em farmácia de manipulação. Em completo desânimo, ela reuniu forças e foi à farmácia, pedir para aviar a receita. A farmacêutica informou que aquela medicação não era indicada para mulheres grávidas, por aumentar os riscos de aborto e de defeitos congênitos no feto, e que por essa razão, antes de prepará-lo, seria necessário um teste de gravidez negativo.

Diante dessa exigência, ela ficou profundamente irritada, considerando a ironia da situação. Tinha sido exatamente a dificuldade de engravidar que a conduzira à necessidade de tomar antidepressivos. Zangada, argumentou, insistiu, mas de nada adiantou. Foi ao laboratório fazer o teste, emocionalmente perturbada. Após pegar o resultado, saiu do laboratório apressada, com um único pensamento: entregar aquele resultado negativo na farmácia, para obter logo o remédio contra a depressão e iniciar o tratamento. Não estava aguentando mais o peso da tristeza e da amargura dos últimos meses.

Numa esquina, enquanto esperava o semáforo liberar a passagem de pedestres, resolveu abrir o envelope: “POSITIVO”, era o resultado, grafado em letras maiúsculas. Ela nunca esqueceu a emoção daquele momento. Atravessou a rua com o corpo inteiro tremendo, e um tanto desnorteada, demorou a perceber que não tinha mais razão para retornar à farmácia. Voltou sobre seus passos e tomou a direção de casa. O bebê que abrigava em seu ventre é hoje um adolescente, que alguns anos depois ganhou um irmão.

Nem sempre são tão claras as lições contidas em nossas experiências. Na maioria das vezes, aquilo que vivenciamos encerram um aprendizado mais sutil, disponível apenas para aquele que presta atenção e observa a situação em seu contexto, seus efeitos e desdobramentos. Dificilmente conseguiríamos saber que música está sendo tocada, ouvindo apenas um ou dois acordes de uma melodia. Do mesmo modo, às vezes é preciso aguardar a sequência dos fatos, para conseguir visualizar algo de positivo que virá a seguir.

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