DIETA ESPECIAL

Fui apresentada ao alfabeto por minha mãe. Ela era professora e me ensinava em casa. Comprou para mim letras coloridas de plástico, em tamanho grande. Entre o A amarelo e o Z cor de rosa, me lembro das cores de muitas daquelas letras. Assim familiarizada com as letrinhas, quando fui à escola pela primeira vez, aos cinco anos, foi mais fácil aprender a ler.

Meu primeiro livro — inesquecível — também foi presente de minha mãe, bastante empenhada em fazer de mim, sua primeira filha, uma leitora. Nem preciso me esforçar para “ver” aquele valioso presente: “Meu ursinho” era o nome do livro. Tinha a capa dura, na cor azul, com bordas douradas, e trazia estampado na frente, um ursinho de pelúcia marrom. Eram poucas páginas, completamente preenchidas por gravuras, tendo na parte inferior, uma única linha descrevendo a cena, como costumam ser os livros infantis. Minha mãe ficou encantada quando percebeu que eu, acompanhando com o dedinho indicador, recitava todas as frases do livro.

Quando meu pai chegou do trabalho, ela correu a contar a novidade. Mas ele não acreditou:
— Ela deve ter decorado essas frases – ele argumentou.
Minha mãe insistiu. Ela tinha certeza de que eu estava lendo. Sua prática com alfabetização de crianças, lhe dizia que não era simples “decoreba”. Meu pai decidiu testar minha habilidade:
— Vou comprar um livro diferente, quero ver se ela está lendo mesmo.
No dia seguinte, ele chegou com o livro. Era de capa flexível, com uma textura em alto relevo, apresentando um quadriculado em azul e branco, onde eu gostava de ficar passando as mãos. Tinha muitas páginas e poucos desenhos, sempre em preto e branco. O meu novo livro trazia o título “ABC DAS BOAS MANEIRAS”. Acredito que meu pai tencionava testar minha capacidade de leitura, e ao mesmo tempo me ensinar as regras da boa educação.

Eu li. Ele se encheu de orgulho. Ela também. E eu, mais ainda. Algum tempo depois, meu pai me tornou sua “ajudante”. Ele trabalhava, cursava Direito em outra cidade, e à noite estava com os olhos cansados, mas precisava estudar. Então me pedia para ler para ele algumas páginas de seus livros, registrando minha voz hesitante num gravador antigo, enorme, se comparado aos equipamentos de hoje, para ouvir as lições em outro momento.

Eu continuei lendo, devorando como uma traça, tudo que fosse impresso em papel. Dali por diante, nas comemorações de aniversário e de Natal, eu recebia de presente muito mais livros que brinquedos. Ainda conservo comigo exemplares que ganhei na pré-adolescência: “A cabana do Pai Tomás”, “David Copperfield”, “Quo vadis”, “ Robinson Crusoé” e “ A família Robinson”, todos com capas duras e ilustradas. Alguns me pareciam de difícil compreensão, então eu os guardava para ler mais adiante.

Sou grata por essa “dieta de letrinhas” que me foi oferecida no início da minha vida, e que me desvendou o mundo e o que havia nele. Minha recomendação para aqueles que cuidam de seres humanos em formação é: alimente suas crianças com letrinhas desde cedo, e elas ficarão satisfeitas por toda a vida!

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