A CAÇADORA

Eu a vejo da minha varanda quase todas as noites. Ela passa por volta de vinte horas, quando todos os moradores dos prédios já recolheram o lixo dos apartamentos e o depositaram nos contêineres. Esses recipientes bem grandes, feitos de plástico rígido, geralmente em verde ou azul, têm rodinhas para fácil manuseio. São colocados na rua pelos porteiros, ao anoitecer, para que sejam esvaziados no caminhão da empresa de limpeza pública e depois guardados novamente no interior dos edifícios.

Ela passa antes do caminhão. Traz o seu próprio carrinho, um engradado de ferro com duas rodinhas e uma espécie de guidom para conduzi-lo. Dentro do carro, um saco grande de ráfia para recolher tudo o que sirva para reciclar. Ela para em todos os prédios e levanta a tampa de cada contêiner. Abre e inspeciona os sacos de lixo, garimpa latas e garrafas de plástico ou de vidro e as joga dentro do saco grande.

Ela é jovem, não tem mais que trinta anos. Usa o cabelo amarrado, veste legging e camiseta e calça sandálias de borracha. Talvez tenha família, filhos que a esperam após esse trabalho noturno. Não sei onde ela mora, mas certamente é em um bairro bem longe do centro, para onde ela voltará, horas depois, empurrando o seu carrinho, depois do trabalho. Uma tarefa que só se completa quando o produto de sua coleta é trocado por dinheiro, que depois será trocado por comida.

Essa mulher catadora caça sua sobrevivência como nossos antepassados caçavam animais para se alimentar. Eles enfrentavam as feras e as intempéries buscando prover suas necessidades. Ela desafia as distâncias, o frio escuro da noite e o peso da carga que empurra. Anda em silêncio por todas as ruas, onde as luzes já estão guardadas atrás das janelas e as pessoas já se acomodaram para descansar. Ela caminha com a solidão, sem saber que aqui da minha varanda, eu oro por ela.

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