Ela estava desesperada. Veio com a irmã, minha amiga, me pedir ajuda. Chorava e torcia as mãos, andando de um lado para outro na minha sala, enquanto a irmã me explicava o problema.
Paula tinha quinze anos e engravidou de um rapaz em um relacionamento que mantinha escondido dos pais. Vinha de uma família conservadora e era a terceira entre quatro filhas, todas criadas com muito cuidado. Algo assim era impensável. A menina estava apavorada só em pensar na reação do pai, um senhor muito correto, que as educava numa disciplina severa.
— Meu pai vai me matar! — ela dizia, entre lágrimas.
— Tenha calma, Paula — dizia Cristina, a minha amiga, bem mais velha que ela, tentando esconder sua preocupação. Ela também temia o pai.
— Ele vai me botar pra fora de casa — a menina soluçava.
— Ele não vai fazer nem uma coisa nem outra – Cristina, em vão tentava acalmá-la – e não adianta você ficar assim.!
Notei que a sua voz tremia. Ela estava nervosa também.
Finalmente, elas me disseram que tipo de ajuda queriam de mim. Precisavam de um empréstimo para pagar um aborto.
Aquilo me impactou e eu fiquei por algum tempo sem saber o que dizer. Eu tinha o valor que elas precisavam, mas… o que eu devia fazer? Seria isso uma solução? Pedi um tempo para pensar e me ofereci para ficar com Paula durante aquele dia, para conversar com ela e tentar confortá-la. Minha amiga precisava ir para o trabalho e a menina não podia ir para casa, transtornada como estava.
Dentro de mim, uma luta se desencadeou. Sempre fui contra o aborto e durante a minha vida tinha sido previdente para evitar questões como essa. Contudo, não me cabia julgar. Ou a ajudaria ou não. Tive uma aguda consciência de que talvez pensasse diferente se eu estivesse na posição daquela moça. Será que eu passaria por cima dos meus valores morais se aquele desespero fosse meu? Ou enfrentaria todos os riscos da situação para não carregar uma culpa pesada pelo resto dos meus dias? Eu não tinha certeza, na verdade. E eu precisava me decidir. O que seria melhor para ela? E para a família? O que seria melhor para aquele ser que estava se preparando para habitar esse mundo? Concluí que eu jamais teria essa resposta.
Paula passou o dia se maldizendo em um quarto de minha casa, inconsolável. Tinha o rosto inchado de tanto chorar. Eu conversei com ela, tentei acalmá-la, pedi que pensasse bem. Ela não quis comer nada o dia inteiro.
Quando a irmã chegou para buscá-la no final da tarde, ela estava mais serena. Eu tinha tomado uma decisão e a comuniquei a elas. Eu não iria interferir desse modo na trajetória de Paula. Eu me dispus a ajudar com dinheiro se ela decidisse manter a gestação e passasse por algum aperto. Eu me ofereci também para conversar com o pai dela, se fosse necessário. Elas aceitaram o meu “não”. Cristina me conhecia bem e sabia que eu estava solidária e que a minha posição não era leviana nem comodista.
O tempo passou. Paula criou coragem e com a ajuda da irmã, contou ao pai sobre a gravidez. Apesar de ter ficado chocado e preocupado — a família não era de muitas posses — ele não a matou nem a expulsou de casa. Passado o impacto inicial da notícia, ele chamou a filha e o pai da criança para uma conversa séria. O rapaz era um garoto também, jovem demais para aquela responsabilidade. O pai de Paula estabeleceu suas regras. Quando o bebê nasceu, um menino, o avô tomou-se de amores pelo pequeno, era seu primeiro neto. João foi crescendo e também era apaixonado pelo avô. Eles andavam juntos para todo lado, desfrutando de uma parceria excepcional por mais de dez anos. Tinham uma amizade que despertava a admiração das pessoas, e isso durou até o dia em que o avô veio a falecer.
Hoje João é adulto, e é uma pessoa que certamente guarda as lembranças do amor com o qual foi envolvido naquela família.
A vida traz surpresas, deixando-nos perplexos e desmontando os planos rígidos que costumamos traçar para nós. As lições que as acompanham podem nos magoar, nos ferir, mas sempre nos fortalecem.

QUEM ASSUSTA QUEM
Eu tinha o hábito de passar por lá em quase todos os finais de semana. Ia àlocadora que ficava a