QUEM ASSUSTA QUEM

Eu tinha o hábito de passar por lá em quase todos os finais de semana. Ia à
locadora que ficava a dois quarteirões da minha casa, para alugar filmes na
sexta feira, e na segunda feira, ia devolvê-los. No caminho, eu passava por
uma casa, onde, atrás de uma grade estreita que fechava um corredor, um
cachorro enorme pulava e latia atrás da grade, sempre que me via.
Certamente avançaria em mim, se não estivesse contido naquele espaço.
 
Eu me assustava em todas as vezes. Recuava com um pulo e gritava, porque
invariavelmente me esquecia de sua existência e de sua predisposição a me
apavorar. Depois do sobressalto, seguia em frente, tentando me recuperar da
taquicardia e prometia a mim mesma ficar prevenida da próxima vez ou então
mudar de caminho. Isso aconteceu em várias ocasiões, porque eu sempre
estava distraída e seguia pelo mesmo lugar, era o trajeto mais curto.
 
Um dia, porém, eu ia pela calçada, como sempre em direção à locadora, e
quando estava prestes a alcançar o ponto onde se localizava a bendita grade,
de súbito, me lembrei. A lembrança me alarmou e de um salto, recuei e gritei,
como que antecipando o meu susto. Em seguida, fui surpreendida pelo que
não aconteceu. Os papéis se inverteram! O cachorro,como sempre de
plantão atrás da grade, me olhava paralisado e mudo, tão surpreso quanto
eu. Ele tinha visto meu pulo, tinha ouvido o meu grito e congelou na mesma
posição.

Eu não parei, é claro, me afastei o mais rápido que pude, sem ouvir dele um
pio sequer. Se aquele bicho pudesse falar, imagino que diria: “Ahn? Como
assim?!” E eu, se estivesse com uma improvável disposição para conversar,
responderia: “Surpresaaa!”

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